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01 - A LEI MARIA DA PENHA E AS RELAÇÕES DE NAMORO
Por: Thiago Marciano de Andrade
 Sabe-se que o dia 12 de junho é uma data comemorativa, tanto para os casais apaixonados como para o comércio em geral, e porque não tratar do assunto sob o enfoque jurídico? Pois bem. Você sabia que é possível a aplicação da Lei nº. 11.340/2006 às relações de namoro. Isso mesmo, a Lei Maria da Penha também se aplica a casos de agressões, ameaças, injúrias perpetradas ainda quando da relação de namoro.

A respeito do tema, o artigo 5º, inciso III da Lei Maria da Penha assim dispõe:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: [...] III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Conforme se extrai do referido dispositivo legal, tem-se que se aplica a Lei em questão às relações íntimas de afeto, independentemente de coabitação.
Ainda que se argumente que a legislação não é clara a respeito, há defensores da aplicabilidade dela em casos que envolvam namorados, conforme se extrai da lição de Maria Berenice Dias (A Lei Maria da Penha na Justiça, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 63): “Diante desta nova realidade não há como restringir o alcance da previsão legal. Até mesmo os vínculos afetivos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar não deixam de ser marcados pela violência. É o que ocorre com namorados e noivos, por exemplo. Mesmo que não vivam sob o mesmo teto, havendo violência, merece a mulher receber o abrigo da Lei Maria da Penha. Para a configuração de violência doméstica é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de afeto deve ser a causa da violência”.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim se pronunciou:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA - JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR .Lei Maria da Penha. A relação entre ex-namorados se enquadra perfeitamente dentro da competência prevista pela Lei Maria da Penha - art. 5º, inciso III, da Lei N.º 11.340/06. PROCEDÊNCIA DO CONFLITO - DECLARAR A COMPETÊNCIA DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR DA COMARCA DE RIO GRANDE. (Conflito de Jurisdição Nº 70041105339, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Piterman, Julgado em 28/04/2011)Lei Maria da PenhaLei Maria da Penha5ºIII11.340
(70041105339 RS , Relator: Jaime Piterman, Data de Julgamento: 28/04/2011, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/05/2011)


Então fica o alerta aos casais apaixonados! Cuidem-se, pois em caso de prática de atos de violência para o namorado ou ex-namorado para com a namorada ou ex-namorada, aplicar-se-á a Lei Maria da Penha e todos os seus institutos repressivos mais severos do que a legislação comum, inclusive as medidas protetivas de urgência e a possibilidade maior de decretação de prisão preventiva.

02 - COMO PROVAR UM CRIME? MÉTODOS JUDICIAIS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS

Por: Thiago Marciano de Andrade


Quando ocorre uma infração penal de qualquer natureza ou gravidade, surge à vítima e ao Estado o direito ao exercício do jus puniendi, qual seja, o direito de apuração da prática criminosa para posterior aplicação de uma sanção ao infrator, e para que esta ação penal culmine com a prolação de sentença condenatória, caberá à parte acusadora a produção de todas as provas capazes de ensejar o reconhecimento de sua versão. No entanto, a apreciação das provas por parte do Magistrado é algo que demanda imenso cuidado, a fim de evitar o cometimento de injustiças para aqueles que estão sob julgamento, fato este que denota a importância do tema.

O jurista Hélio Tornaghi[1] define a expressão prova do seguinte modo: “A palavra prova é usada em vários sentidos, todos correlacionados entre si. Ela designa, em primeiro lugar, a atividade probatória, isto é, o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador). Quando, por exemplo, se diz que a prova de alegação incumbe àquele a quem ela aproveita (art. 156) o que se quer indicar é que o beneficiário da alegação cabe o ônus de praticar os atos necessários para demonstrá-la”.

No que tange ao objeto da prova, em sede de Direito Penal e Processual Penal resta evidente que somente pode ser considerado como tal aqueles fatos, documentos e demais itens que tenham relevância e pertinência ao caso sub judice, sob pena de ocasionar um desvirtuamento da solução da lide processual penal existente, e, por conseguinte, ceifar do Estado o exercício do jus puniendi (direito de punir) da forma correta, podendo inclusive ocasionar diversas injustiças ou até mesmo erros no julgamento.

A dúvida principal recai a respeito de qual meio de prova pode ser considerado como válido para comprovar a prática de um crime, onde se tem a lição de Edilson Mougenot Bonfim[2], para o qual: “Meio de prova é todo fato, documento ou alegação que possa servir, direta ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo. Em outras palavras, é o instrumento utilizado pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes. Não podemos confundir meio como sujeito ou com objeto de prova. A testemunha, por exemplo, é sujeito, e não meio de prova. Seu depoimento é que constitui meio de prova. O local averiguado é objeto de prova, enquanto sua inspeção é caracterizada como meio de prova. Meio é tudo o que sirva para alcançar uma finalidade, seja o instrumento realizado, seja o caminho percorrido”.

Quanto às espécies de provas admitidas no processo penal, tem-se a prova testemunhal, documental e pericial, cada qual com as suas peculiaridades e respectiva valoração pelo magistrado, as quais possuem extrema relevância para a solução da lide penal, e permitem, em consonância entre si, formar a convicção do Julgador.
Esta formação da convicção do julgador é a finalidade precípua da prova, sendo possível afirmar que a atividade probatória serve para demonstrar a este (Magistrado) a veracidade ou não da imputação que recai sobre a pessoa do acusado, as circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e da periculosidade, na individualização de eventual pena a ser aplicada ao criminoso.


Por fim, deve ser ressaltado que a prova é o elemento essencial para que o Estado possa exercer o jus puniendi (direito de punir), pois, em estando o Código de Processo Penal submetido à vigência do princípio do in dubio pro reo, qualquer dúvida que recaia sobre a conduta do réu ou até mesmo em relação à autoria delitiva, resultará na absolvição do acusado da prática delitiva. Deste modo, a prova deverá ser a mais ampla possível, de modo a propiciar ao Magistrado que se convença da efetiva ocorrência do fato ilícito e de sua autoria, para, somente então, aplicar-lhe a respectiva sanção penal. No entanto, a tarefa do Magistrado não é tão simples, devendo ponderar e sopesar cada uma das provas produzidas na instrução do processo, sob pena de cometer injustiças, e, consequentemente ocasionar uma ruptura no sistema jurídico como tal, criando uma sensação de insegurança e injustiça para toda a sociedade.

Referências:
[1] TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 9 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 267.

[2] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 340.

03 - UMA VISÃO DIFERENCIADA DA PRISÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO

Por: Thiago Marciano de Andrade

 

É muito comum nos primeiros semestres da Faculdade de Direito ouvirmos a expressão: “a Constituição Federal consiste na lei maior de um Estado”, e essa noção ainda é ampliada quando se está diante de um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, eis que tal regramento regula todas as condições com que este ente soberano atenderá aos interesses e anseios coletivos, bem como as demais funções estatais.

 


É justamente a Constituição Federal que incumbe a missão de, sucintamente e em linhas gerais, delimitar as diversas funções do Estado, os direitos e garantias individuais e coletivas dos cidadãos, prever a forma pela qual se adquire a nacionalidade, além de dispor acerca da organização política e administrativa deste, por meio de inúmeros dispositivos dotados de influência principiológica.

Princípios constitucionais e premissas legais estas que são aplicáveis a todos os cidadãos, independentemente de cor, raça, sexo ou opção sexual, crédulo ou nacionalidade. No entanto, há de ser observado o fato de que a cidadania é confundida com o direito destinado à pessoa de votar ou ser votada em eleições regulares. E ainda, considerando o fato de que a cidadania só se adquire mediante o alistamento eleitoral na forma da lei , não deveria nos moldes da Constituição vigente, ser considerado cidadão tão somente quem pode votar ou ser votado?

Pois bem, a triste realidade demonstra de forma clara que a cidadania, apesar do equívoco conceitual, realmente é destinada somente àqueles que possuem o direito de votar ou de ser votado, e essa afirmativa se dá justamente porque aos presos, sejam eles cautelares ou definitivos, o direito constitucional de participar de eleições diretas é suprimido, e, por conseguinte, excluem-se destes a cidadania? Infelizmente exclui-se de uma forma drástica, eis que aos presos cautelares (sem sentença penal condenatória transitada em julgado) este direito é suprimido. Enquanto aos condenados definitivos, a suspensão dos direitos eleitorais e políticos decorrem de tal ato judicial.

Mas o porquê relacionar a supressão do direito de votar ou ser votado, com presos provisórios ou cautelares, com a cidadania? Apesar da complexidade da indagação, a resposta é simples. Os presos cautelares não têm o seu direito de votar suprimido por decisão judicial, mas simplesmente por não poderem se locomover até as respectivas zonas eleitorais, o que lhes acarretam a perda da cidadania? Não, a cidadania de um preso cautelar se perde justamente porque deixa de fazer jus a uma série de direitos e garantias individuais do cidadão.

Os direitos e garantias individuais do cidadão na esfera constitucional pátria estão dispostos em uma série de dispositivos, sendo que o mais importante deles vem a ser o caput do artigo 5º, o qual assim dispõe:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Estes inúmeros incisos do dispositivo constitucional em questão tratam de cada um destes direitos acima elencados, e, especificadamente em relação aos acusados da prática de uma infração penal presos cautelarmente em Delegacias de Polícia e Unidades Prisionais diversas, aplicam-se os incisos XLVII, XLVIII, XLIX, LIV, LV, LVI, LVII, entre inúmeros outros.
A indicação dos incisos acima diz respeito à estreita ligação destes com a situação dos presos provisórios, em especial àqueles que estão enclausurados junto às Delegacias de Polícia ou Unidades Prisionais que carecem de recursos necessários para a observância da condição mínima de sobrevivência humana.
Mas qual motivo liga estes dispositivos constitucionais à privação do direito de votar, de ser cidadão, com os princípios insculpidos em cada um destes incisos do artigo 5º da Constituição Federal?

Novamente a resposta é simples. Se os incisos do artigo 5º da Constituição Federal, destinam-se aos cidadãos brasileiros, e a condição de cidadania em sua noção conceitual está intimamente ligada ao direito de votar e ser votado, logo, o preso cautelar, que não vota e não pode ser votado, não pode ser cidadão, e, por conseguinte, não faz jus à aplicação das regras insculpidas nos incisos XLVII, XLVIII, XLIX, LIV, LV, LVI, LVII do mencionado dispositivo constitucional.
Loucura? Insensatez? Equívoco de um profissional do Direito? Que nada. Basta abrir os jornais, acessar sites de notícias, ou acompanhar qualquer programa televisivo que a comprovação desta afirmação ocorrerá de forma clara e precisa.

Não raras vezes nos deparamos com notícias de cadeias superlotadas, presídios sem energia elétrica, sem água encanada ou esgoto, sem condições de sobrevivência, leia-se, pouco espaço, ausência de banho de sol, sem qualquer tipo de higiene, alimentação precária ou estragada, temperaturas elevadíssimas que mais se aproximam do calor do deserto, ausência de ventilação, sem contar com as epidemias que reiteradamente assombram os estabelecimentos prisionais brasileiros.

Essas notícias normalmente são alvo de críticas dos mais leigos e até mesmo, no sentido de afirmar, “estão lá porque querem”; “esses bandidos não merecem um tratamento digno já que a “população de bem” carece dos recursos que os detentos reivindicam”, ou ainda aquela opinião mais drástica de que “não devem ser observados os Direitos Humanos do preso”.

Mas e por qual motivo essas notícias servem como instrumento de confirmação de que o preso cautelar que não vota por não poder se descolar à zona eleitoral deixa de ser cidadão? Por uma questão óbvia, as notícias mencionadas apontam sempre as irregularidades e condições sub-humanas destes ergástulos públicos, e demonstram que os presos cautelares não são cidadãos, e não o são porque as garantias insculpidas nos incisos XLVII, XLVIII, XLIX, LIV, LV, LVI, LVII do artigo 5º da Carta Magna são afrontadas, desrespeitadas, inobservadas, ou ainda, sequer lembradas pelo Estado.

Talvez esteja aí a explicação disso tudo. Porque não pensei nisso antes?

04 - O HOMEM MODERNO COMO JULGADOR E APLICADOR DA SANÇÃO PENAL POR MEIO DE MECANISMOS BÁRBAROS E RETRÓGRADOS
Por: Thiago Marciano de Andrade


Aqueles que recentemente têm acompanhado os noticiários de telejornais policialescos devem ter presenciado inúmeros casos em que os “Justiceiros” da sociedade moderna apontam determinada pessoa como suspeito de um crime, amarrando-o em postes ou árvores, e após este breve apontamento, acendem a chama da Justiça no meio de inúmeros seres humanos de idêntico grau de conhecimento, os quais movidos pelo calor do momento tornam-se os mais perigosos e vorazes algozes daquele suspeito que sequer teve a chance de exercer seu direito de defesa.

Os Justiceiros de plantão, capazes de influenciar até as pessoas mais pacatas, em fração de segundos, externam o lado mais vil e repugnante do comportamento humano, ganham fama nas redes sociais, em especial no Youtube, agindo no calor do momento, no julgamento imediato e na execução da pena sem qualquer direito de defesa em face dos supostos criminosos, pena esta que não raras vezes representa a mutilação ou a execução sumária, culminando com a morte dos suspeitos.

Todavia, salvo engano, dos últimos dez casos em que houve esse julgamento moderno e imediato, com a aplicação de penas corporais gravíssimas em face dos supostos infratores, verificou-se que o Criminoso, julgado e executado em questão de minutos era inocente, porém, descobriu-se tal condição dos mesmos de forma tardia, quando já estavam desacordados, sem vida, desencarnados pela legião de justiceiros que fazem do sofrimento alheio sua diversão, sua forma de externar o stress do cotidiano, por meio de socos, pontapés, pauladas, pedradas.

Sim, estamos no Século XXI da civilização adjetivada como moderna, na qual o homo sapiens, na condição de ser humano no ápice de sua evolução, utiliza-se de mecanismos de punição que remontam ao período das trevas do Direito Penal, período em que civilizações antigas adotavam medidas extremas como forma de punição, porém, compatíveis com o nível da época respectiva.

No entanto, em pleno auge da sociedade moderna, em que os seres humanos se comunicam entre si de forma instantânea, que os acontecimentos mundiais chegam ao outro lado do planeta em fração de segundos, vivemos em meio aos Vingadores Privados, nos quais estes repelem a infração à norma regulamentadora com violência de extrema gravidade do que a conduta ensejadora de tal medida, sempre sob a justificativa de que a sociedade está cansada dos altos índices de criminalidade.

Ora, o que se evidencia é um contrassenso na sociedade moderna brasileira, eis que, enquanto no plano teórico a norma constitucional veda a adoção de penas degradantes e cruéis, afirmando caber tão somente ao Estado o exercício do Jus Puniendi, nas ruas, onde a prática é a regra, têm-se os Justiceiros de Plantão, ou Vingadores Privados (pois a forma de punição adotada representa a regressão à vingança privada) ceifando a vida de pessoas inocentes, sob o simples argumento de que estas eram suspeitas de furtar um bem jurídico protegido pela Lei Penal. Bem jurídico este que certamente é de menor relevância do que a vida daquele que é (In)justiçado, esmagado, pisoteado, humilhado, assassinado, sob a justificativa de que haviam suspeitas contra ele.

Ora Justiceiros de Plantão, na dúvida, deve prevalecer a parábola cristã de que: “atire a primeira pedra aquele que nunca pecou”, pois vivemos em um país cuja rede de normas penais incriminadoras é imensa, e se pararmos alguns segundos para pensar, ainda que sem o conhecimento da ilicitude de nosso proceder, não raras vezes cometemos ilícitos penais, ou seja, também podemos ser atacados por outro Justiceiro de Plantão, o qual saciará seu desejo de vingança com o sangue alheio, sem atentar-se ao fato de que a sua conduta (agredir, lesionar, matar) também é merecedora de punição, e, portanto, permitiria que outro Justiceiro de Plantão lhe atacasse na mesma medida, repetindo o ciclo vicioso da violência para coibir violência.

Desculpem-me os corajosos, mas estou com medo de viver na sociedade “moderna”, com requintes da mais pura e cruel antiguidade, eis que o atual modo de punição com as próprias mãos foge até mesmo aos preceitos da Lei de Talião, na qual, o ideal de olho por olho e dente por dente, guardava uma noção de igualdade entre o mal praticado pela conduta criminosa e a repressão desta, enquanto os Justiceiros de Plantão repelem uma contravenção penal com a morte dotada de crueldade e tortura do infrator alvo da (in)justiça.

05 - NOVA ONDA DE HEDIONDEZ: A INCLUSÃO DO CRIME DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL COMO CRIME HEDIONDO
Por: Thiago Marciano de Andrade

 

 

LEI 12.978 - 2014 - MUDANÇA LEGISLATIVA
E não é que surge mais uma aberração jurídica?
A Lei nº. 12.978, de 21 de maio de 2014 acrescentou o inciso VIII ao artigo 1º da Lei nº. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) a fim de que o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável (art. 218-B caput e §§ 1º e 2º do Código Penal).

 

Com isso, o crime tipificado no artigo 218-B e parágrafos do Código Penal passa a ser considerado crime hediondo! Que ótimo, mais um crime para o rol dos crimes hediondos, não fosse a seguinte questão:

O Crime previsto no artigo 218-B do Código Penal prevê pena de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

 

Ocorre que, conforme recentemente decidido no STF em Habeas Corpus 111.840/ES, onde foi declarada a inconstitucionalidade incidental do artigo 2º, § 1º da Lei dos Crimes Hediondos, não mais é obrigatória a fixação do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos, devendo prevalecer a regra do artigo 33 do Código Penal, segundo a qual aos crimes cuja pena seja igual ou inferior há quatro anos, aplica-se a como regime prisional o regime aberto para o início do cumprimento da pena.

 

Ou seja, em termos práticos, em sendo réu primário, detentor de bons antecedentes, cuja pena para tal crime (artigo 218-B do Código Penal) seja aplicada em seu mínimo legal, de nada adiantará a qualidade de crime hediondo para o mesmo, eis que cumprirá a sua pena em regime inicialmente aberto.

 

Tal medida visa coibir a falha de Políticas Públicas de redução da exploração sexual infanto-juvenil no país somente seja para tapear a população, no sentido de dizer que agravou a situação de tais criminosos às vésperas da Copa do Mundo, e que o Estado Brasileiro preocupa-se com o tema em questão. No entanto, na prática, os reflexos de tal mudança legislativa talvez sejam sentidos no aspecto pertinente à concessão de liberdade provisória aos Acusados de tais crimes, e os efeitos da execução da pena, na hipótese de regressão de regime ou outras benesses em sede de execução penal, pois do contrário, "mudaram as estações, nada mudou".

06 - O PROCESSO DE CRIAÇÃO DE LEIS PENAIS INCRIMINADORAS E A NOVA VERTENTE DA EXTENSÃO DA QUALIDADE DE HEDIONDEZ A DIVERSOS TIPOS PENAIS
Por: Thiago Marciano de Andrade

A extensão do rol dos crimes hediondos e a manutenção do ideal punitivista.
Não bastasse o legislador ordinário brasileiro criar legislações punitivas em conformidade com o desejo da sociedade, influenciada pela mídia em geral, recentemente tem se mostrado que somente elencar determinada conduta como criminosa não é suficiente para satisfazer o ego do legislador que age conforme a moda punitiva que assombra o sistema pátrio.

O Direito Penal Brasileiro, na forma em que está sendo conduzido, contraria a verdade dos princípios que explicam este ramo do Direito, em razão de não observar que o Direito Penal, em sua finalidade precípua deve figurar como a ultima ratio, vale dizer, somente deve a sociedade recorrer à punição do Direito Penal, quando fracassarem todos os demais mecanismos de controle social (família, escola, igreja, etc.), o que é decorrente do princípio da intervenção mínima.

Viola-se ainda o princípio da ofensividade, segundo o qual não basta que a conduta seja imoral ou pecaminosa, é necessário que a referida conduta ofenda um bem jurídico provocando uma lesão efetiva ou um perigo concreto ao bem.

A cada instante os noticiários televisivos, radiofônicos, da internet ganham manchetes sobre o intuito de criação de novas leis penais incriminadoras, como o que se evidenciou em uma proposta de determinado candidato à Presidência da República, o qual adotou o discurso de: aprovar lei para punir com rigor agentes públicos que tenham enriquecimento sem justificativa legal; criar a figura da “ação civil pública de extinção de domínio” para declarar a perda de bens adquiridos por meio de atividades ilícitas, entre outras propostas.

O que presenciamos na atualidade é uma avalanche de normas penais incriminadoras, violando as regras básicas de Direito Penal, talvez em decorrência da incapacidade do legislador ordinário que legisla sobre o tema, e legisla para conseguir votos, para que seu projeto agrade as maiorias, sem sequer preocupar-se com as consequências da aprovação de uma Lei Penal esdrúxula e desnecessária.

Exemplo prático de tal fato tem-se a Lei 12.653/2012, a qual passou a tipificar o crime de Condicionamento atendimento médico-hospitalar emergencial; Lei 12.735/2012, a qual alterou o Código Penal, bem como o Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, e a Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares; e Lei 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckman); estas apenas a título exemplificativo.

Não bastasse o absurdo jurídico que essa avalanche de legislações penais incriminadoras ocasiona na sociedade em geral, justamente porque não se sabe ao certo se determinado ato praticado está previsto como criminoso no âmbito das centenas de legislações penais incriminadoras, bem como ocasiona um acúmulo de procedimentos investigatórios na seara dos Juizados Especiais e das Varas Criminais do país, atravancando o andamento destes procedimentos e prejudicando a apreciação e o bom andamento dos processos que demandam urgência em sua tramitação, como é o caso dos réus presos, processos com vítimas crianças, adolescentes, mulheres, idosos, além daqueles decorrentes da priorização da Lei Maria da Penha.

Hoje, na atual conjuntura do sistema jurídico repressor brasileiro, nem o Advogado, Juiz ou Promotor de Justiça mais dedicado conhece todos os tipos penais que são previstos no ordenamento jurídico pátrio, justamente porque que ultima ratio o Direito Penal passou a ser a prima ratio para a regulamentação da conduta humana.

E pior, não bastasse tal situação, a moda que se tem notado recentemente é a “hediondização” de tipos penais, isso mesmo, não contente em produzir leis penais inúteis e desnecessárias o legislador pátrio agora visa aumentar o rol dos crimes hediondos e equiparados a hediondo.
Exemplo dessa nova moda é a Lei 12.978/2014, a qual acrescentou o inciso VIII ao artigo 1º da Lei nº. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) a fim de que o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável (art. 218-B caput e §§ 1º e 2º do Código Penal).

Criou-se um novo tipo penal hediondo, o qual prevê condições mais rígidas para a concessão de benefícios de execução da pena, veda a concessão de outros benefícios legais aos acusados de tais crimes, porém, não atendou-se o legislador à recente decisão do Habeas Corpus 111.840/ES do Supremo Tribunal Federal, no qual foi declarada a inconstitucionalidade incidental do artigo 2º, § 1º da Lei dos Crimes Hediondos, não mais é obrigatória a fixação do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos, devendo prevalecer a regra do artigo 33 do Código Penal, de modo que, o quantum de pena é que determinará o regime prisional para a conduta, que, no caso do delito acima apontado será o aberto se o acusado for primário e de bons antecedentes.

Em resumo, estamos diante de uma Fábrica de Leis Penais Incriminadoras, as quais já saem da linha de produção pendentes de recall e readequação, e se a moda de “hediondização” pegar, logo o rol destes crimes será idêntico ao grande número de condutas criminosas previstas na legislação penal. E um crime ser somente hediondo não será suficiente, os punitivistas de plantão vão buscar a criação de algo mais rígido que leve mais pessoas à prisão, aumentando o tempo de permanência no cárcere, sem atentar-se que o cárcere guarda o que o Sistema Não Quis e Esconde o que a Novela Não Diz!!

07 - INDULTO DE NATAL É SINÔNIMO DE PROBLEMA SOCIAL?
Por: Thiago Marciano de Andrade

A cada ano muito se discute a respeito do Decreto Presidencial que concede a inúmeros condenados o benefício do Indulto Coletivo, popularmente conhecido como “Indulto de Natal”, o que na visão da grande maioria da população representa um drástico problema social, eis que estes entendem que uma “enxurrada” de criminosos será libertada das penitenciárias, e automaticamente a violência nos grandes centros urbanos sofrerá drástico aumento.

No entanto, antes de qualquer análise crítica, seja ela favorável ou contrária à concessão de tal benefício em sede de execução de pena, se faz necessário elucidar a questão sob o enfoque jurídico e teórico, de modo a esclarecer os motivos que justificam a existência deste Indulto Coletivo.

O indulto coletivo, instituído anualmente por meio de um Decreto Presidencial, conforme previsão expressa no inciso XII do artigo 84 da Constituição Federal, e consiste em uma das formas de extinção da punibilidade prevista no artigo 107, inciso II do Código Penal, tendo como intuito de perdoar o condenado do saldo de sua pena, desde que este preencha alguns requisitos de ordem objetiva (cumprimento de determinada quantia de sua pena, etc.) e de ordem subjetiva (bom comportamento carcerário, entre outros).

De acordo com o jurista Heleno Cláudio Fragoso[1]:
“[...] o indulto é uma forma de indulgência soberana que acompanham a pena desde os tempos imemoriais. É o benefício concedido ao autor do crime ou ao condenado por órgãos alheios ao Poder Judiciário, que atuam inspirados por conveniências políticas ou por espírito de humanidade, fazendo desaparecer o crime cometido, extinguindo-se a pena, ou, de outra forma, favorecendo o condenado”.

No mesmo sentido se dá a lição de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez[2], os quais conceituam o indulto da seguinte maneira:
“O indulto é medida de ordem geral, e a graça de ordem individual, embora, na prática, os dois vocábulos se empreguem indistintamente para indicar ambas as formas de indulgência soberana. Atingem os efeitos executórios penais da condenação, permanecendo íntegros os efeitos civis da sentença condenatória”.

Por fim, Luiz Régis Prado[3] assevera:
“O indulto e a graça são atos privativos do Presidente da República (art. 84, XII, CF). Ambos, porém, não se confundem, já que aquele representa caráter coletivo e esta, individual. Demais disso, a graça é solicitada, enquanto o indulto é espontâneo. Assim, a concessão da graça poderá ser provocada por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa (art. 188, LEP). O indulto, a seu turno, independe de qualquer solicitação. Pode este ser pleno – quando extingue completamente a punibilidade – ou parcial – quando diminui a pena”.

Ora, com base em tais explanações, é possível afirmar que o “Indulto de Natal” representa de fato a saída de inúmeros detentos das unidades prisionais do país, tendo a finalidade humanitária para a reinserção destes no convívio social, bem como levando em conta a condição pessoal de cada um dos detentos que seja agraciado com tal benefício.

Aplica-se o indulto aos condenados pela Justiça, o que na visão dos mais conservadores representa um problema social justamente porque os criminosos saem às ruas, e, consequentemente se elevarão os índices de criminalidade, pois estes saem da prisão exclusivamente com a ideia de praticar novos delitos.
No entanto, há uma série de requisitos a serem observados pelo Juízo da Execução de Pena antes da efetiva soltura dos condenados, eis que o Decreto Presidencial não tem aplicabilidade automática e, por conseguinte, demanda a intervenção do Poder Judiciário que analisa em cada situação concreta e então concede ou não o benefício ao condenado.

De fato é inegável que certa quantidade de presos que são agraciados com o Indulto Natalino acaba por reiterar na prática de crimes e delitos variados, cuja conduta pode se basear em diversos fatores: pessoa voltada à prática criminosa; falha do Sistema Prisional em ressocializar; ausência de estrutura estatal para permitir o reingresso do ex-detento à sociedade em condições de obter um trabalho lícito, entre tantos outros fatores.
No entanto, a questão que transforma efetivamente o indulto coletivo ou indulto natalino em problema social recai especialmente na falência do Sistema Prisional Pátrio, o qual não permite que o detento ao longo do cumprimento de sua pena tenha condições de efetivamente se ressocializar e aprender a conviver em sociedade em harmonia com a lei vigente. Ao contrário, não é à toa que as Prisões Brasileiras ganham o apelido de “Universidades do Crime”, pois nestes se potencializa o grau de periculosidade do criminoso justamente pela falta do cumprimento de sua finalidade basilar: leia-se, a ressocialização.

O primeiro aspecto relevante sobre a temática em questão ocorre desde o momento em que o agente adentra um presídio, onde a partir de então o condenado recluso assume o papel de ser marginalizado, passando a adquirir as atitudes do preso habitual, desenvolvendo de forma gradativa tendências criminosas, ao invés de minimizá-las.
Com o passar do tempo, ao estar do lado de dentro do cárcere, o detendo perde a noção de honra e dignidade, em razão das condições subumanas que sobrevivem, além da forma de tratamento questionável que recebem dos próprios funcionários das penitenciárias, entre as demais circunstâncias fáticas que propiciam a identificação destes, por si próprio, como sendo a escória da sociedade.

Desse modo, o que denota é que os estabelecimentos prisionais agem de forma contrária a que deveriam, inserindo o condenado num sistema que nada mais é do que um aparelho destruidor de sua personalidade. Tudo isso torna a finalidade ressocializadora da pena utópica, conforme aponta Guilherme de Souza Nucci[4]:
“[...] o próprio Estado, através de seus órgãos de repressão, ainda que buscando justiça e imparcialidade em sua postura e em seus atos, não consegue implementar a meta de pacificação social, nem tampouco de plena recuperação daqueles que delinquem ofendendo bens jurídicos fundamentais e tutelados”.
Ao abordar a temática de forma merecedora de elogios, Adel El Tasse[5] assevera:
“O fato é que os juízes condenam pessoas à pena de prisão, ainda que sabedores de que a mesma é tão fúnebre como a morte e, questionados, defendem-se dizendo que o problema carcerário é do poder executivo e não do judiciário. É indisfarçável que as prisões, em todo o mundo, tornaram-se depósitos de seres humanos, sem nenhuma preocupação com a recuperação do apenado, também não representando a sua existência, medida efetiva da diminuição da criminalidade. O aprisionamento, na atualidade não regenera e não intimida; esta é a verdade. Não há, portanto, porquê manter o cinismo do discurso, quando a realidade é uma só: o aprisionamento tem servido, tão-somente, para satisfazer a vontade de algumas pessoas que, por fatores culturais e religiosos não conseguiram libertar-se das amarras pré-humanistas e que imaginam que deve haver uma resposta de violência desmedida ao crime”.

Atualmente, a triste realidade do sistema prisional brasileiro é caótica, por uma série de fatores, sendo possível afirmar que o aprisionamento consiste em um castigo cruel e degradante, recheado de sofrimento, abuso sexual, dor e destruição física e moral do condenado, consistindo o sofrimento e humilhação em regras basilares da atual conjuntura prisional pátria.

Em decorrência dos fatores já expostos é possível afirmar que quanto mais se impõe ao sistema penal a resolução de conflitos, mas se evidencia a falta de capacidade para solucioná-los; gerando um ciclo de violência, na qual esta acaba por gerar maiores índices de violência, desembocando numa crescente criminalidade nos mais variados níveis sociais.

E como consequência o que se observa é que a tentativa de ressocialização do preso através da pena privativa de liberdade, não atingiu até hoje sua finalidade, demonstrando o fracasso dos sistemas penitenciários, inclusive quanto às penas alternativas, que tomaram um impulso, com o objetivo de reprimir os delitos de menor potencial ofensivo, evitando assim, o encarceramento dos condenados sem antecedentes.

Tais fatos, somados a muitos outros externos à questão meramente jurídica e ressocializadora do condenado, acabam sim por tornar o indulto coletivo ou indulto natalino um problema social, a princípio sem solução aparente ou rápida, eis que demanda toda uma reformulação do sistema prisional a fim de permitir a amenização dos efeitos negativos da permanência do cárcere, eis que são poucos os relatos dando conta de que pessoas que estiverem do lado de dentro da prisão conseguiram reconstruir suas vidas após o cumprimento da sanção penal que lhe fora imposta, fato este que é de extrema relevância para a própria coletividade, mas que é tratado com indiferença, eis que a sociedade é orientada a marginalizar as pessoas que estão ou estiveram nesta situação.


Referências
[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 401.
[2] BONFIM, Edílson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004. p 824-830.
[3] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, arts. 1º a 120. vol. 01. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 777-778.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. p. 71.
[5] TASSE, Adel El. Teoria da pena. Curitiba: Juruá, 2003, p. 134-135.